Enquanto escrevemos este texto, o Monitor das Doações nos indica: já são mais de R$ 5,5 bilhões doados por mais de 370 mil doadores únicos no país em prol de ações de prevenção e combate à COVID-19.
Que a situação de calamidade gera mais doações, todos já sabemos. Mas é raro que outro fator mobilizador seja levado em consideração, mesmo que ele seja determinante para que mais apoio chegue àqueles que tanto precisam: para que mais pessoas ajudem, é preciso que mais pessoas peçam ajuda. E, para isso, é preciso perder a vergonha.
Dessa vez, é possível que tenha sido mais fácil fazer isso. Com toda a humanidade enfrentando o mesmo duro problema, não é preciso dar muitos detalhes ao pedir socorro. Mesmo sem grandes explicações as pessoas se abrem mais, sentem maior empatia pela situação do outro e contribuem com aquilo que podem. Por outro lado, todo mundo está precisando de ajuda , e pode ser desafiador se destacar no meio da multidão, especialmente quando não se tem prática nisso - ou pior: quando se tem receio de levantar a mão.
É fácil perceber que isso é um problema no terceiro setor: basta acessar os sites e as páginas da maioria das organizações não-governamentais brasileiras e perceber que falta, em qualquer plataforma, um caminho fácil e intuitivo para doar. É raro encontrar um botão grande, com cores vibrantes, que simplesmente diga "doe aqui". Também é raro achar um caminho intuitivo, a um clique de distância, para acessar as informações de uma conta bancária para a qual se pode fazer um depósito de qualquer valor. Aqui no Brasil, não somos bons nisso. Nossa cultura nos instrui a não incomodar e nos deixa com vergonha de solicitar apoio. E a falta de iniciativa, por consequência, faz com que os apoios sejam menos expressivos e não atijam todo o seu potencial se a estratégia fosse outra.
A pesquisa Exame de Estudos Empíricos sobre Filantropia: Oito Mecanismos que Estimulam Doações (em tradução livre) comprova: doar não é uma ação espontânea para a maioria das pessoas. 85% das doações acontecem apenas depois que há uma solicitação para isso. É preciso despertar a generosidade adormecida em potenciais doadores e mostrar que as portas estão abertas para receber boas ações. E isso pode ser feito de forma recorrente, estimulando um senso de dever e comprometimento em cada cidadão que se propõe a ouvir e a ajudar.
Já é possível ver como isso está sendo feito de forma mais eficaz nos últimos meses: é só sintonizar em qualquer uma das dezenas de lives recentes feitas por cantores e bandas. Enquanto a transmissão está no ar, um QR Code é colocado no canto da tela, solicitando doações de qualquer valor aos espectadores - algumas delas até mesmo com cashback! Para atender ao pedido, basta escanear o código com a câmera do celular e se deixar ser direcionado para aplicativos como AME ou PicPay. Rápido e simples, como deve ser, especialmente em uma situação emergencial.
(Quer um exemplo de como isso deu certo para nós, por experiência própria? Realizamos, no último dia 27, nosso primeiro Festival Sorria , com QR Code na tela para captação de doações enquanto transmitimos 12 horas de lives com convidados incríveis - e nesse teste, foram mais de R$ 125 mil doados ao GRAACC !)
E é nesse cenário que empresas e corporações podem fazer a diferença, dando o exemplo e estimulando mais gente a doar. A pandemia fez com que muitos CNPJs tomassem a dianteira para encorajar indivíduos a praticar generosidade. A XP Investimentos, por exemplo, criou o fundo Juntos Transformamos , dando a largada com uma doação de R$ 25 milhões. O pontapé inicial encorajou outras 3.900 pessoas a doar para o mesmo fundo, que até agora soma mais de R$ 31,9 milhões em doações. Outra iniciativa é o Matchfunding Enfrente , organizado por fundações como Tide Setubal, Itaú Social e outras, que está prestando apoio a comunidades em periferias de todo o Brasil ao transformar cada real doado por cidadãos e empresas em 3.
O segredo aqui é transformar isso em um trabalho de equipe, abraçando todas as partes envolvidas. É, mais do que nunca, a hora da colaboração. Empresas podem fazer a bola rolar, mas devem ressaltar que não farão isso sozinhas, e que esperam, de seus clientes, uma postura generosa como aquela que apresentaram em primeiro lugar. Empreendedores devem dar o exemplo e mostrar que a realidade que querem não é uma que lhes garanta apenas saúde financeira e estabilidade. É preciso construir um mundo onde pedir uma doação para criar algo maior não seja motivo de vergonha, mas de orgulho. Um mundo que garante oportunidades fáceis de doar o que você tem, onde você está, como você pode, quando você consegue.
Quais são as formas como isso pode ser feito? De que maneira se pode diminuir o atrito entre o pedido por uma doação e a entrega dela? Como conversar com aqueles que já conhecem sua empresa - como clientes, colaboradores e fornecedores - para mostrar o caminho por onde fazer o bem?
É respondendo essas perguntas que vamos perceber que nossas impressões são distorcidas: as pessoas não são egoístas. Elas só precisam de uma abertura para oferecer ajuda - e, sem ouvir um pedido, jamais conseguirão direcionar sua proatividade de forma certeira e adivinhar quem está precisando.
Daí a importância de momentos dedicados especificamente a isso, como o Dia de Doar Agora , edição especial do Dia de Doar que aconteceu em 5 de maio. Em 24 horas, mais de 14 milhões de pessoas foram alcançadas nas redes sociais a partir da mobilização criada para celebrar a data. O número mostra que o sucesso da iniciativa se deve grandemente às iniciativas que reforçam de maneira insistente a importância de levantar a mão e pedir ajuda, em busca de quem está procurando uma chance para demonstrar generosidade.
A ocasião é um lembrete de que a grande diferença na hora de fazer (e receber) doações está no ato vulnerável e corajoso de pedir. Se o último 5 de maio tiver nos ensinado sobre a importância de levantar a voz, é certo que já teremos trilhado uma das partes mais difíceis no caminho para fortalecer ações filantrópicas que nos levarão para um mundo melhor.
P.S.: Precisa de uma inspiração para aprender a pedir doações? Assista à palestra viral da artista Amanda Palmer com papel e caneta na mão. Você certamente descobrirá ensinamentos preciosos sobre a generosidade que todo ser humano carrega dentro de si - e que está só esperando uma chance para desabrochar.
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Esta coluna foi originalmente publicada no site da revista Época Negócios .
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