quinta, 07.05.2020

5 tendências para a filantropia no mundo pós pandemia

MOL na mídia


O que acontecerá com esse imenso movimento de solidariedade quando a emergência da COVID-19 passar?
O que acontecerá com esse imenso movimento de solidariedade quando a emergência da COVID-19 passar?

No momento em que esse texto é escrito, as doações no Brasil para combater o novo coronavírus e seus efeitos beiram R$ 4 bilhões. É um feito único e histórico para a filantropia no país: apenas entre março e abril, arrecadou-se mais do que em 2019 inteiro. Segundo a contabilidade da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos, que acompanha os valores no site www.monitordasdoacoes.org), centenas de empresas e ao menos 170.000 pessoas físicas doaram dinheiro a instituições e campanhas para mitigar os efeitos da crise - e isso sem contar as contribuições em produtos, materiais, serviços e trabalho voluntário. Testemunhar esse movimento é encontrar um fio de esperança em meio à tragédia, e nos faz imaginar como será o depois: deixará a pandemia ao menos o legado de uma sociedade mais solidária? De dentro do olho do furacão, onde todos estamos agora, é impossível fazer previsões - mas, ao menos, algumas lições podemos aprender com o que vivemos até aqui.

 

CADA UM DOA O QUE FAZ MELHOR.

Com máquinas paradas, estoques cheios ou sem dinheiro em caixa para doar, muitas empresas encontraram a solução para fazer sua parte doando aquilo que já é parte do negócio. Ambev e Cosan converteram suas plantas em fábricas de álcool 70%. Natura, Avon e Boticário, além de produzirem álcool em gel, doaram sabonetes para lavar as mãos. Ovos de Páscoa encalhados viraram ativos: Cacau Show cedeu para leilão beneficente; Outback doou para alavancar mercadinhos de bairro; Kopenhagen recompensou doadores de sangue. Renner, Marisa, Reserva e Riachuelo botaram na linha de produção máscaras, aventais e roupas brancas para doar a profissionais de saúde. Fiat, Ford, GM, Mercedes-Benz, Renault, Scania, Toyota e Volkswagen formaram uma força-tarefa para consertar respiradores e produzir máscaras de proteção. Os exemplos são muitos e mostram que não existe concorrência quando é pelo bem coletivo - e todo negócio pode usar sua vocação para exercer impacto social.

 

LIVE É O NOVO TELETON.

É improvável que você tenha chegado até esse momento da quarentena sem assistir ao menos um show ao vivo pela internet. Artistas de todos os gêneros - e marcas patrocinadoras - se renderam ao formato live, que rendeu de superproduções, como o encontro sertanejo Amigos, a transmissões caseiras, como Ivete Sangalo cantando de pijama. O convite para apoiar uma ONG é repetido no intervalo das músicas e, na tela, um QRCode fixo leva a um aplicativo de pagamentos, que recebe as doações. Até o fim de abril, mais de R$ 12 milhões haviam sido arrecadados dessa maneira. Nos Estados Unidos, apenas o concerto One World - um show de 8 horas de estrelas pop cantando em suas casas - arrecadou US$ 127,9 milhões. Sem perspectiva para a volta dos shows físicos, foco inevitável de aglomeração, o entretenimento pela internet deve evoluir rapidamente e entrar de vez para o cardápio do marketing das marcas - e, de quebra, se tornar uma fonte importante de doações para o terceiro setor.

 

ISP AGORA SENTA NA MESA DOS ADULTOS.

A Coca-Cola destinou US$ 120 milhões que gastaria em publicidade para combater o novo coronavírus. O Nubank remanejou seu orçamento de marketing, de R$ 20 milhões, para ações de apoio aos clientes. Dezenas de empresas criaram seus próprios projetos emergenciais - caso, por exemplo, da XP Investimentos, que pretende doar R$ 50 milhões em cestas básicas com match funding, e da Suvinil, que lançou um fundo milionário de auxílio a pintores. Quando cifras assim - e projetos complexos de ação na ponta - entram em jogo, as áreas de responsabilidade social e de investimento social privado (ISP) ganham uma força inédita. Não darão conta dos desafios se continuarem a ser uma gerência de baixo orçamento em um cantinho do RH: precisam se elevar à altura de diretoria e ser encaradas como estratégicas para o negócio. Propósito e engajamento serão métricas prioritárias na economia pós pandemia, e não apenas no discurso: precisam ser transversais a tudo o que a empresa faz.

 

O INIMIGO AGORA É OUTRO.

No começo, parecia que o novo coronavírus era o inimigo comum: uma doença democrática, que lota igualmente UTIs públicas e privadas e, sem cura, exige isolamento social e consciência coletiva para se manter sob controle. Logo ficou claro que o maior problema era outro, ainda mais difícil de tratar: 520 anos de desigualdade social, concentração de renda, racismo estrutural, desigualdade de gênero, urbanização caótica, falta de continuidade em políticas sociais, serviços públicos sucateados... a conta da miséria tão naturalizada pela sociedade brasileira, enfim, chegou. Nos próximos tempos, devemos assistir a uma valorização das causas de base, como combate à fome, acesso à água e saneamento, geração de renda e bem estar social - temas que não costumavam atrair holofotes (e doadores). A educação, em geral prioridade nos projetos sociais corporativos, vai ceder espaço para a saúde: do investimento privado no SUS à pesquisa científica, o foco da ação será a luta pela vida.

 

COOPERAÇÃO É A VACINA.

O SUS era uma desgraça. Agora, é joia de família: se não fosse o maior sistema universal de saúde do mundo, a barbárie seria milhões de vezes maior. As universidades públicas, pintadas como ineficientes e capengando com a falta de recursos, são o único lugar no momento a se fazer ciência contra a COVID-19. A mídia não merecia confiança - mas onde melhor se informar durante uma situação de emergência? As ONGs, tachadas de inimigas públicas, estão salvando milhões de vidas, cobrindo as muitas brechas onde o Estado não chega. Se tem algo que podemos aprender nessa crise é que não sairemos dela sozinhos. Só pela cooperação - inclusive entre nações - que vamos obter os equipamentos médicos necessários, impedir que mais valas comuns sejam abertas, chegar a uma vacina em tempo recorde e evitar novas ondas da pandemia. A consciência da interdependência traz oportunidades de parceria entre público, privado e organizações da sociedade civil para inovar e resolver outros (muitos) problemas.

Roberta Faria e Rodrigo Pipponzi são empreendedores sociais e fundadores da MOL, que já doou mais de R$ 34 milhões para mais de 70 ONGs de todo o Brasil.

 

Este artigo foi originalmente publicado na revista Época Negócios, em maio de 2020.




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